quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Atração Incomum



Pararam.

- O senhor não tem respeito pelo meu marido, nos olhando logo ali?

- É difícil pensar em respeito diante dessa cinturinha perfeita, minha senhora.

- Mas isso são modos? Assim que ele souber o que está se passando, pedirei para que vá atrás do senhor. Sabe muito bem que ele tem poder para isso.

- Me desculpe, mas lhe dou a certeza de que ele não me alcançaria por mais de três quadras.

- Ele sofre, sim, com algumas limitações. Mas isso não o impediria.

- Já parou para pensar que ele possui muito mais limitações do que a senhora? Se for para alguém me seguir, que seja a senhora mesma, pelo menos chega até mim.

- Eu não o seguiria, nem por decreto.

- Não quer correr o risco de se aproximar muito e se apaixonar, não é mesmo?

- O senhor não tem vergonha de fazer uma insinuação dessas? É um membro da Igreja!

- Igreja? Isso é pura teoria, só lá fora essas classificações funcionam. Tudo não passa de um jogo, minha querida.

- Então quer dizer que tudo isso, essa situação entre nós, não passa de um jogo para o senhor?

- Não foi exatamente isso que eu quis dizer, alteza.

- Alteza? Não me venha com “alteza” agora, eu ouvi muito bem.

E os jogadores permaneciam estáticos, observando, boquiabertos, o flerte entre o Bispo e a Rainha, no tabuleiro de xadrez.






Por Helena Perdiz

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Ela e as Portas




Tinha um sério problema com portas, chegava a ter aversão a elas. Na verdade, não sabia, ao certo, se o problema estava nela ou nelas. Só sabia que era assim: as portas sempre se fechavam para ela. Consequentemente, ela também se fechava para as portas.

Deixou de ser fã de The Doors quando, numa tarde qualquer, imaginou um conjunto de portas cantantes saltitando no palco; arrancou a porta do quarto por não suportar mais a ideia de que aquele pedaço de madeira passava a noite toda a observando.

Queria uma nova ocupação. Arriscou a porta giratória de uma agência de empregos. A porta travou, sabe-se lá por que, e ela ficou cinco horas e trinta e sete minutos presa entre os vidros. Saiu em todos os jornais da cidade e o bombeiro que a retirou virou herói municipal; nunca mais passou nem perto das giratórias.

Arriscou a porta de um shopping e, em seguida, a de um elevador, que levava à gerência. Entregou seu currículo no terceiro andar, antes de passar quinze minutos presa no banheiro – a porta travou e o faxineiro teve que a esmurrar. Não ela, a porta.

Desistiu.
  
Permaneceu no ofício de secretária da pequena fábrica de fechaduras Fechaki, na qual havia mais portas do que pessoas e mais fechaduras do que portas. Foi lá dentro que recebeu um pedido de casamento de seu namorado. Foi por Messenger. Ela aceitou com um emoticon (Y), seguido de um (H).

No dia do matrimônio, uma fila imensa no cartório e nada da noiva aparecer; demorou, mas, de repente, estavam todos olhando para cima: era a noiva entrando pela janela.



Por Helena Perdiz