Cansou-se da felicidade plena.
Aquele otimismo elevado tornava tudo muito fácil. Não havia temor, nem incertezas, apenas uma vida regada de monotonia; os esforços eram mínimos, superados pela forte confiança que a tornava, em seus pensamentos, capaz de qualquer coisa que desejasse; além de tudo, era serena ao extremo. Nunca havia sentido raiva de um ser humano sequer.
Rebeca queria algo novo, que trouxesse o aperto da dúvida no peito. Queria conhecer a aflição que via nos filmes, ter receio do que já é certo, sentir-se uma aventureira.
Com a determinação a qual já estava acostumada, despejou os ingredientes na panela e preparou uma deliciosa Torta de Fúria. Ela finalmente veria a vida de maneira diferente, com reclamações a serem feitas e palpitações aceleradas no coração.
Comeu o primeiro pedaço; o gosto amargo continuou a amarrar a boca, mesmo após escovar os dentes com a pasta aprovada entre nove a cada dez dentistas, mas não houve nenhuma mudança aparente.
“Talvez não tenha comido o suficiente”, pensava, ao comer outro pedaço, seguido de outro e outro.
Rebeca era persistente. Passou meses preparando e deliciando-se com Torta de Fúria no almoço e no jantar. Comia tudo sozinha, na esperança de que surtisse efeito; comprava novos ingredientes uma vez por semana e os estocava na despensa.
Foi numa tarde de compras que ela encontrou seu antigo vizinho, Bernardo – correspondente de seus flertes durante a época em que morou no Condomínio Bulhufas.
Aproximou-se, aguardando um cumprimento caloroso, já de braços abertos, quando ele arregalou os olhos e:
-Rebeca! Como você engordou!
Bernardo jamais havia imaginado que um dia seria atacado, tão cruelmente, por uma mulher munida de uma lata de ervilhas (tão grande).
Era a primeira vez que Rebeca sentia os efeitos da Torta de Fúria.
Por Helena Perdiz