sábado, 15 de janeiro de 2011

O Efeito



Cansou-se da felicidade plena.

Aquele otimismo elevado tornava tudo muito fácil. Não havia temor, nem incertezas, apenas uma vida regada de monotonia; os esforços eram mínimos, superados pela forte confiança que a tornava, em seus pensamentos, capaz de qualquer coisa que desejasse; além de tudo, era serena ao extremo. Nunca havia sentido raiva de um ser humano sequer.

Rebeca queria algo novo, que trouxesse o aperto da dúvida no peito. Queria conhecer a aflição que via nos filmes, ter receio do que já é certo, sentir-se uma aventureira.

Com a determinação a qual já estava acostumada, despejou os ingredientes na panela e preparou uma deliciosa Torta de Fúria. Ela finalmente veria a vida de maneira diferente, com reclamações a serem feitas e palpitações aceleradas no coração.

Comeu o primeiro pedaço; o gosto amargo continuou a amarrar a boca, mesmo após escovar os dentes com a pasta aprovada entre nove a cada dez dentistas, mas não houve nenhuma mudança aparente.

“Talvez não tenha comido o suficiente”, pensava, ao comer outro pedaço, seguido de outro e outro.

Rebeca era persistente. Passou meses preparando e deliciando-se com Torta de Fúria no almoço e no jantar. Comia tudo sozinha, na esperança de que surtisse efeito; comprava novos ingredientes uma vez por semana e os estocava na despensa.

Foi numa tarde de compras que ela encontrou seu antigo vizinho, Bernardo – correspondente de seus flertes durante a época em que morou no Condomínio Bulhufas.

Aproximou-se, aguardando um cumprimento caloroso, já de braços abertos, quando ele arregalou os olhos e:

-Rebeca! Como você engordou!

Bernardo jamais havia imaginado que um dia seria atacado, tão cruelmente, por uma mulher munida de uma lata de ervilhas (tão grande).

Era a primeira vez que Rebeca sentia os efeitos da Torta de Fúria.





Por Helena Perdiz 

7 comentários:

Daíse Lima disse...

Gostei do blog!
Parabéns !!!!

Marcelo Zaniolo disse...

Hahahahaha!

Pra variar, mais um texto com um final inesperado. Gosto disso =)

Me diverti com a menção ao comercial da Colgate (ou seria Sorriso, Close Up ou alguma outra?), e estava prestes a dizer "quem nunca quis ter mais emoção na sua vida" quando uma lata de ervilhas me tirou as palavras da boca!

Muito bom =)

E, sobre as cores, não discordo de você. Elas sempre acabaram com meus desenhos também (o que pode querer dizer que eu sou um péssimo ilustrador), mas, não sei porque, a falta delas sempre me remeteu a "rascunho", a "incompleto"...

Enfim.

Muito obrigado pela visita, viu?

Beijo, boa semana e até o próximo texto!

Unknown disse...

Ameiiiiiiiii!
Helena tem um tom envolvente e hilário em tudo o que escreve.
Parabéns!
Ótimo blog!

Marcelo Zaniolo disse...

Não sei se você gosta de "ficções de terror" e afins, mas li um livro do Joe Hill e gostei bastante. Vou até ler outro dele em seguida! Hehe

E se continuar assim, sim, ele vai seguir os passos do pai =)

Obrigado pelo comentário! Hehe
Beijo e boa semana.

Camila Fontenele disse...

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA

Ela esqueceu de colocar ingredientes light, mas as vezes vale a pena ter algum tipo de furia pra sentir a vida mais de perto.

Um beijo

Anônimo disse...

Nossa o texto é muito bom!!! Parabéns pela redação perfect

Milene R. F. S. disse...

Morrendo de rir aqui.... e Rebeca teve que engordar para sentir finalmente uma nova emoção...rs, muito bom, beijos.