quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Ela e as Portas




Tinha um sério problema com portas, chegava a ter aversão a elas. Na verdade, não sabia, ao certo, se o problema estava nela ou nelas. Só sabia que era assim: as portas sempre se fechavam para ela. Consequentemente, ela também se fechava para as portas.

Deixou de ser fã de The Doors quando, numa tarde qualquer, imaginou um conjunto de portas cantantes saltitando no palco; arrancou a porta do quarto por não suportar mais a ideia de que aquele pedaço de madeira passava a noite toda a observando.

Queria uma nova ocupação. Arriscou a porta giratória de uma agência de empregos. A porta travou, sabe-se lá por que, e ela ficou cinco horas e trinta e sete minutos presa entre os vidros. Saiu em todos os jornais da cidade e o bombeiro que a retirou virou herói municipal; nunca mais passou nem perto das giratórias.

Arriscou a porta de um shopping e, em seguida, a de um elevador, que levava à gerência. Entregou seu currículo no terceiro andar, antes de passar quinze minutos presa no banheiro – a porta travou e o faxineiro teve que a esmurrar. Não ela, a porta.

Desistiu.
  
Permaneceu no ofício de secretária da pequena fábrica de fechaduras Fechaki, na qual havia mais portas do que pessoas e mais fechaduras do que portas. Foi lá dentro que recebeu um pedido de casamento de seu namorado. Foi por Messenger. Ela aceitou com um emoticon (Y), seguido de um (H).

No dia do matrimônio, uma fila imensa no cartório e nada da noiva aparecer; demorou, mas, de repente, estavam todos olhando para cima: era a noiva entrando pela janela.



Por Helena Perdiz 

7 comentários:

Aline Valek disse...

Hahaha! Sensacional!
Adoro essas histórias bem surreais, onde você consegue tirar humor de coisas aparentemente trágicas... Sem falar do sarcasmo e ironia de uma garota que não se dava bem com portas acabar trabalhando em uma fábrica de fechaduras "Fechaki"!

A história que começa com um tom de metáfora (as portas que não se abrem = oportunidades) vai revelando que é puro non sense... Capotei de rir com esse final!

Ótima crônica, moça! ^^

PS: aposto que ela só usava Windows

Brunno Lopez disse...

Sintético, engraçado e sutil.

Queria saber escrever histórias assim, que a gente tem vontade de comer mesmo sem precisar estar com aquela fome toda...

Está delicioso.

Camila Fontenele disse...

Achei fantastico.

É engraçado que na vida também passamos por momentos bizarros, ou manias, sinas que temos, uma hora isso se resolve, ou não.

Marcelo Zaniolo disse...

Hahahaha!
Muuuuuito bom.

"onde ela quer chegar?", fiquei pensando.
E chegou. Pela janela, mas chegou! Haha

Parabéns.
Beijo e bom feriado.

Bruno Almeida disse...

Muito boa! huahhauhuahauhaua

Seus textos estão cada vez melhor, de verdade! :D

alecostta disse...

muito bom texto. até achei que era sobre mim...menos na parte que tudo se soluciona, pela existência de uma janela. rsrs
brincadeira.
bj.

ANGELICA LINS disse...

Ahhh que bacana esse texto, adorei! Você escreve bem, nunca pare.
Agradeço aos bons ventos que me sopraram até aqui.

Deixo-te meu abraço e meu desejo de um 2011 maravilhoso.